Este pensamento a deixava desgostosa. Seria inadmissível.
Depois que romperam
– e romperam porque a moça a deixou com o coração em frangalhos simplesmente por ser o que era (ué!) –, ela aprendeu
que o erro tinha sido seu. Todo seu. Claro, claro. Cada uma com a responsabilidade
por si mesma pelo o que foi à outra, afinal por muito tempo foram um casal romântico. Mas a responsabilidade
pela dor dilacerante que sentia era sua, toda sua. Porque entregou justamente
este poder àquela mão de dedos longos, macios e quentes. Nossa heroína permitiu
que o amor que sentia fosse travestido duma paixão doente, como uma roseira crescendo
sem qualquer domínio, envolveu seu coração em espinhos nos quais tocava
simplesmente por bater. Uma paixão por meio da qual a razão de viver se
transferia à existência do outro – e aqui vamos assinalar que esta era sua
prática, um privilégio concedido a toda e qualquer uma que cruzasse o caminho do
seu coração nascido para amar. Por muito tempo, chamou isso de intensidade. Mas o que estou repisando é: a responsabilidade era sua. Foram suas escolhas.
Foi assim que,
por mais aquela vez, permitiu-se sentir pela moça um amor vívido, exagerado,
literário, que a fazia sentir que seus sonhos podiam esperar para que vivessem –
não somente, mas primeiramente – os de sua amada. Ou, quando muito, os do
casal.
Nossa escafandrista
mergulhou, por acreditar, é claro, num amor que a deixava de joelhos, cuja alternativa
era perder o ar. E por isso, quando romperam, observamos, nós, leitores, uma
quebra total de paradigmas. Porque, vejam, ela realmente sentia como se abandonasse tudo naquela travessia. Mas não perdemos realmente coisas que nunca possuímos,
não é mesmo?
Foi quando percebeu
que a dita razão de viver nunca poderia voltar a ser outra pessoa que não ela mesma.
Foi o gradual insight de notar que nunca mais poderia, tampouco deveria, viver
tão apaixonada a ponto de querer morrer de amor. Isto porque já não seria capaz
de se doar ao nível – abaixo do nível do mar este nível – de não ser sua própria
alegria de viver. Não seria mais capaz de entregar ao outro a chave de
realização de seus sonhos, projetos, devaneios, caprichos. E foi assim que, mês
a mês, na calada de cada noite que a embalava em sono cada vez mais pacífico,
foram esvaziando-se o sonho do matrimônio por amor, da família porto seguro, da
esposa companheira, do levantar de um império de poder para que o tivessem para carregar as crianças quando chegasse a hora de deixar apenas o nome. Houve, como diria a
ponta do triângulo, um acréscimo de si mesma. E sentiu-se imbuída de uma leveza
tão estrangeira e nada familiar que demorou muitos minutos para perceber que
agora poderia ser e fazer o que quisesse, assumindo que era permanentemente a
única para quem daria qualquer satisfação ou informe. Especial,
talvez exclusivamente, do ponto de vista espiritual.
Não mais teria
condições de se apaixonar em nível tão docemente baixo e doente. Não mais sentiria
o êxtase inegável do crack da paixão. E uma parte de si ressentia-se com isso,
como uma adicta em reabilitação – “Eu sou”, ela diria se nos estivesse ouvindo –: o tratamento é voluntário, mas sempre haverá em riste uma porção em resistência. Fosse doutro modo, não seria vício!
E esta parte, esta
pequena, subversiva e revolucionária parte, dentro dela, em muitos pontos
revolta por não mais poder gozar do que aprendeu como amor, naufraga, ainda agora
enquanto falamos, no pior ressentimento possível, qual seja o de perceber que
seu último e, portanto, grande – para não dizer maior – amor seria efetivamente
aquele que menos o mereceu ter sido. O que, por definição, seria um manifesto equívoco
de nossa heroína, vez que tamanha entrega jamais teria sido com quem não a despertasse...
E, bem... Ela sabe disso.
Por estas razões
de serem todas, é que nos dias mais atuais pensava que somente poderia voltar ao
território de um relacionamento amoroso quando o contrário fosse impossível. Sentia
como se o próximo amor estivesse condicionado à uma noção de irresistibilidade.
Sentia mesmo que só renunciaria ao tesouro da solitude descoberta quando a
companhia do outro recobrasse o signo de irrenunciável.
Mas isto não
mais aconteceria, certo? Se agora ela sabia que nada além de si poderia cobrar tão
alto valor. Se tivesse que esperar o amor do outro fazer-se indispensável à própria
vida para poder vivê-lo, isto significaria que não amaria nunca mais.
E propriamente aí
reside a causa mestra de seu ressentimento. Lhe parece agora bastante óbvio que
nunca mais voltará a amar.
– Meu caro olho que me lê. O que sente nossa heroína deve-se ao fato de que o amor que aprendera não o é. Nunca foi. E embora ela não sinta assim – não neste capítulo, advirto –, não há causa para ressentir este grande presente. Ela está a um passo do amor que jamais pensou haver neste plano. E este, sim, a fará derreter no deleite que há muito desconfia existir apenas dentro de si. Há o genuíno e estranhamente leve amor para viver...
Um comentário:
https://youtu.be/N9gRDSBPhLo
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