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sexta-feira, 23 de junho de 2017

Querido diário

Pensei que ia ter uma noite incrível. Me preparei para sair, tomei um banho longo com direito a depilação e hidratação de cabelos. Escolhi um vestido que ainda não tinha usado. E afoguei minhas mágoas num sinal de superação e confiança num futuro próximo e melhor.
Durante o dia, tive bons momentos. Leves momentos, de risadas francas, e decisões miúdas, aparentemente inócuas e nada lesivas - não eram.
Ao fim do dia, minha única e suficientemente grande [para ocupar-me inteira] expectativa era a de pegar sua mão, sair porta a fora, caminhar até o elevador e, dentro dele, te beijar e abraçar  provocativamente, mas de uma forma discreta; ainda com a sua mão na minha, ir até o carro, te deixar dirigir até nosso destino secreto, comer, conversar e rir na sua presença como se o resto pudesse esperar.
Mas não pode, não é mesmo?
Não mais do que esperou.
O resto é, na verdade, a parte primeira. Principal. Prioridade. Urgente. Emergente. Especial. O antes de mais nada. O tudo.
Se não for nada disso, ainda é alguma coisa antes de mim. Ainda é algo que valha a tua desfeita, a tua tempestade no jardim de flores delicadas que terminam despedaçadas quando você para. O jardim sou eu. O resto.
Mas, tudo bem. Eu nunca ouvi falar de tempestade que se impede pela delicadeza do que quer que seja. Afinal, tempestade é água. E água é quase sempre assim. Vem pra limpar mesmo. Só remanesce o que a destruição não puder levar.
O jardim vira barro batido e respingado. As flores se revelam em pétalas marrom-manchadas distribuídas por toda parte.
A água que este jardim queria chegou e trouxe abalo. E agora - não é uma questão de querer, sobretudo o jardim precisa - passa a demandar cuidados. Cuidados cada vez menores, mas milhões de vezes postergados até formarem-se o leviatã da dúvida.
E a dúvida. A dúvida é como a água. A depender de sua potência, só sabe fazer destruição. No jardim.