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terça-feira, 27 de novembro de 2018

– Não faz sentido que ela seja a última mulher que eu amei.

Este pensamento a deixava desgostosa. Seria inadmissível. 

Eu explico.

Depois que romperam – e romperam porque a moça a deixou com o coração em frangalhos simplesmente por ser o que era (ué!) –, ela aprendeu que o erro tinha sido seu. Todo seu. Claro, claro. Cada uma com a responsabilidade por si mesma pelo o que foi à outra, afinal por muito tempo foram um casal romântico. Mas a responsabilidade pela dor dilacerante que sentia era sua, toda sua. Porque entregou justamente este poder àquela mão de dedos longos, macios e quentes. Nossa heroína permitiu que o amor que sentia fosse travestido duma paixão doente, como uma roseira crescendo sem qualquer domínio, envolveu seu coração em espinhos nos quais tocava simplesmente por bater. Uma paixão por meio da qual a razão de viver se transferia à existência do outro – e aqui vamos assinalar que esta era sua prática, um privilégio concedido a toda e qualquer uma que cruzasse o caminho do seu coração nascido para amar. Por muito tempo, chamou isso de intensidade. Mas o que estou repisando é: a responsabilidade era sua. Foram suas escolhas. 

Foi assim que, por mais aquela vez, permitiu-se sentir pela moça um amor vívido, exagerado, literário, que a fazia sentir que seus sonhos podiam esperar para que vivessem – não somente, mas primeiramente – os de sua amada. Ou, quando muito, os do casal.

Nossa escafandrista mergulhou, por acreditar, é claro, num amor que a deixava de joelhos, cuja alternativa era perder o ar. E por isso, quando romperam, observamos, nós, leitores, uma quebra total de paradigmas. Porque, vejam, ela realmente sentia como se abandonasse tudo naquela travessia. Mas não perdemos realmente coisas que nunca possuímos, não é mesmo?

Foi quando percebeu que a dita razão de viver nunca poderia voltar a ser outra pessoa que não ela mesma. Foi o gradual insight de notar que nunca mais poderia, tampouco deveria, viver tão apaixonada a ponto de querer morrer de amor. Isto porque já não seria capaz de se doar ao nível – abaixo do nível do mar este nível – de não ser sua própria alegria de viver. Não seria mais capaz de entregar ao outro a chave de realização de seus sonhos, projetos, devaneios, caprichos. E foi assim que, mês a mês, na calada de cada noite que a embalava em sono cada vez mais pacífico, foram esvaziando-se o sonho do matrimônio por amor, da família porto seguro, da esposa companheira, do levantar de um império de poder para que o tivessem para carregar as crianças quando chegasse a hora de deixar apenas o nome. Houve, como diria a ponta do triângulo, um acréscimo de si mesma. E sentiu-se imbuída de uma leveza tão estrangeira e nada familiar que demorou muitos minutos para perceber que agora poderia ser e fazer o que quisesse, assumindo que era permanentemente a única para quem daria qualquer satisfação ou informe. Especial, talvez exclusivamente, do ponto de vista espiritual.

Não mais teria condições de se apaixonar em nível tão docemente baixo e doente. Não mais sentiria o êxtase inegável do crack da paixão. E uma parte de si ressentia-se com isso, como uma adicta em reabilitação – “Eu sou”, ela diria se nos estivesse ouvindo –: o tratamento é voluntário, mas sempre haverá em riste uma porção em resistência. Fosse doutro modo, não seria vício!  

E esta parte, esta pequena, subversiva e revolucionária parte, dentro dela, em muitos pontos revolta por não mais poder gozar do que aprendeu como amor, naufraga, ainda agora enquanto falamos, no pior ressentimento possível, qual seja o de perceber que seu último e, portanto, grande – para não dizer maior – amor seria efetivamente aquele que menos o mereceu ter sido. O que, por definição, seria um manifesto equívoco de nossa heroína, vez que tamanha entrega jamais teria sido com quem não a despertasse... E, bem... Ela sabe disso.

Por estas razões de serem todas, é que nos dias mais atuais pensava que somente poderia voltar ao território de um relacionamento amoroso quando o contrário fosse impossível. Sentia como se o próximo amor estivesse condicionado à uma noção de irresistibilidade. Sentia mesmo que só renunciaria ao tesouro da solitude descoberta quando a companhia do outro recobrasse o signo de irrenunciável.

Mas isto não mais aconteceria, certo? Se agora ela sabia que nada além de si poderia cobrar tão alto valor. Se tivesse que esperar o amor do outro fazer-se indispensável à própria vida para poder vivê-lo, isto significaria que não amaria nunca mais.

E propriamente aí reside a causa mestra de seu ressentimento. Lhe parece agora bastante óbvio que nunca mais voltará a amar.

– Meu caro olho que me lê. O que sente nossa heroína deve-se ao fato de que o amor que aprendera não o é. Nunca foi. E embora ela não sinta assim  não neste capítulo, advirto , não há causa para ressentir este grande presente. Ela está a um passo do amor que jamais pensou haver neste plano. E este, sim, a fará derreter no deleite que há muito desconfia existir apenas dentro de si. Há o genuíno e estranhamente leve amor para viver...  

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Proposal

Eu não sei mais. Quanto tempo faz que a desejo vigorosamente em minha cama satisfazendo e tendo satisfeitas as necessidades carnais mais absurdas. Mas é assim, e já há tanto tempo que não sei dizer. 

Eu a vejo quando chegamos e a sigo com os olhos quando nos despedimos. Deus sabe lá por que, mas nossos caminhos nunca se cruzaram nem coincidiram. Então, nunca pude acompanha-la ou puxar qualquer assunto.

Ela me cumprimenta com um beijo no rosto. Mas seus olhos, ah, seus olhos me alcançam muito antes dos seus lábios. Eles me laçam, me arrebatam e, até que sua boca me beije as bochechas, o amasso que travo com seu olhar é algo erótico. Para mim, é claro. Ela está inocentemente sorrindo para mim com aqueles olhos brilhantes. Chega a parecer um desenho animado japonês, com aqueles belos olhos pretos e brilhantes. Eu tenho pra mim que eles não brilham para mim. Quantas vezes não ouvi as pessoas elogiando seus olhos...

Eu não sei por quanto tempo a amo. Sim, eu a amo. Não lembro também quando decidi que a amo. Mas me pareceu que esse sentimento combinava melhor com o que eu sentia – sinto! Melhor do que encantamento, fascínio, atração, queda. Eu estou apaixonada por esse par de olhos.

E eles me veem. Me tocam antes dos lábios. E os lábios me dizem: nossa, como você está bem! Está linda! O que fez de diferente?

Eu acho que me fundo pra dentro de mim quando ouço esses elogios. Eu não sei o que fazer com eles. Onde guardo essas palavras pra me deleitar com elas daqui a cem anos? 

Eu apenas sorrio de canto. E a olho no ímpeto de descobrir o que esses elogios querem dizer. Será que me dizem apenas o que falam ou querem dizer algo que somente eu entenda?

Se for alguma espécie de brincadeira, é muito de mau gosto. Porque eu estou caindo como um pato. Semana a semana, eu a encontro e meu coração se espreme todo, sinto que fica vermelho, enrubescido de vergonha.

Eu me naufrago na expectativa de um dia ela acordar louca e me beijar na boca quando me encontrar. Nessa fantasia, eu a beijo descontroladamente dando tudo o que estou represando no peito. Na verdade, sei que se ela me beijasse, eu a chamaria de louca e daria as costas.

Eu definitivamente não estou preparada pra ver meu sonho mais íntimo tomando forma diante de meus olhos.

É absurdo. 

Eu a desejo, eu a amo, eu a odeio quando sorri com aqueles olhos de anime pra todo e qualquer um que cruze o seu caminho. Ela é esse tipo de pessoa encantadora que está disposta a exalar amor para desconhecidos como quem exala feromônios.

Eu a detesto por isso. Porque uma parte obcecada e psicopata de mim a deseja veementemente só pra mim. Tem vezes que deliro que a sequestro e ela adora... 

Hoje de manhã acordei e me lembrei do sonho que tive com ela e confesso que considerei nem levantar da cama. Eu devo ser alguma espécie de monstro que arrisca a incolumidade pública. As autoridades me prenderiam se soubessem quanto eu quero essa mulher.

Eu jamais a machucaria. Se ela pedisse, talvez. Uns belos tapas costumam deixa-la ainda mais descontrolada nos meus sonhos.

Mas eu levantei. 

Nos encontramos, e sucederam os olhos, os lábios que laçam, meu sorriso torto, o coração espremido, minhas fantasias sexuais de armário e, por fim, um indescritivelmente inesperado convite pro café.

Pela first fucking time, os olhos me olhavam com olhos individuais. Quase como se tivessem sido arrancados da órbita craniana pra olhar pra mim, só pra mim. Pra me ver, pra me enxergar, pra me cercar. 

O milagre em cascata foi quando ela elogiou meu sorriso. Não é que eu estava “bem” ou “linda” nem nada tão genérico que ela precisasse transferir a resposta ao me perguntar o que eu fiz de diferente. Não. Meu sorriso era lindo. 

Eu aceitei o café. E sem meia explicação, ali estávamos nós trocando confidências e visões de vida como se já conversássemos por telefone madrugadas a fio.

Ela me conhecia. Por alguma razão cósmica, ela entendia o que eu dizia e nos dávamos estranhamente bem. Ela tinha anseios e desejos tão profundos sobre a vida, ou simplesmente tão bonitos, que ainda que eu não os tivesse, teria. Pelo deleite de acompanha-la, de tê-la. 

Aqui, sentada na minha frente, gesticulando quase nada enquanto fala, seu cheiro é acessível, quase nada onírico e, mesmo assim, eu pularia em cima de você sem nenhum esforço.

Nos beijamos. 

Foi estarrecedor. Como a harmonia universal que há quando duas peças opostas se encontram e encaixam depressão e relevo: sem esforços, sem falhas, sem os excessos do forçado. Simples como o natural.  

Nem em um milhão de anos o sexo dos meus sonhos chegaria aos pés do que fizemos minha cama passar. E talvez fosse necessário alguns milênios sonhando com ela pra imaginar o grau de sadomasoquismo ao qual ela estava disposta. 

Em alguns meses nos apaixonamos. 

Ela invadiu o porta-retratos da minha cabeceira de cama. Apareceu dentro da minha carteira, numa foto linda de morrer que me encara toda vez que vou pagar alguma coisa – e acho que passei a gastar mais depois disso. De repente, era ela ocupando a imagem de fundo do meu celular e, por mais cafona que pareça, do meu computador também. 

Eu estava irremediavelmente apaixonada e disposta a ir às últimas consequências desse estado mental virulento chamado paixão.

Em alguns meses, passamos a dormir juntas todas as noites. 

Em mais alguns, eu me desfiz de todas as lembranças de amores antigos. 

Eu estava pronta pra concluir essa área da minha vida. E não havia razão para não estar. 

Era tão incrível como nada que eu fosse capaz de sonhar na vida.

Era um domingo de sol quando acordamos às 11h da manhã. Nossos corpos completamente nus ainda se entretocavam e a consciência que se aproximava com o despertar trazia o contentamento de perceber a presença uma da outra.

Eu me levantei e caminhei plena de paz até o banheiro. Me olhei no espelho, esperando possivelmente encontrar uma mulher destruída pelo sexo animal noturno e tudo que vi foi um sorriso ridículo impregnado no meu rosto. Nada muito largo, mas notadamente lá. Me fez perguntar por onde andaria aquele outro, torto e de canto, que eu já não via há meses.

Estávamos na mesa, o café posto, o apetite tinindo, quando ela perguntou. 

De pronto, eu achei tão absurdo que pensei que fosse alguma piada, razão pela qual eu tratei logo de rir. Até perceber que não. Era sério. Era uma pergunta séria, uma proposta intencional e enviesada. Ela realmente queria saber.

Eu me arroguei da gravidade daquilo tudo e respondi que não. Mas é claro que não!

Os olhos dela não me entendiam, me olhavam como se eu fosse algum tipo de extraterrestre, como eu poderia não querer, afinal?

Eu disse que não. E que não era algo negociável. Que, aliás, era o maior terrorismo que ela poderia me fazer num domingo pela manhã. 

Foi como se alguém arrancasse o chão dos meus pés, porque de um instante para o outro não havia nada em que eu pudesse me agarrar.

Eu poderia ter dito que tudo bem. Eu poderia ter engolido seco, jogado um café preto em cima e ter ido correr no parque para aliviar a tensão que impregnou o ar. 

Mas é claro que eu não fiz nada disso. Ainda hoje eu não acredito que ela considerou me pedir uma coisa dessas.

Eu pedi que ela fosse embora. E pedi que levasse suas coisas.  

Ela poderia ter resistido, desistido do impropério e até fingido que não era o que ela quis dizer. Melhor do que isso, ela poderia ter implorado pelo meu perdão, mudado de ideia e lutado pra me convencer de que ainda era alguma coisa com valor pra mim.

Mas isso não seria muito diferente de se vender, não é mesmo? 

Ela pegou o que pôde e deixou para trás o que não lhe importava. 

Nunca mais nos vimos, nunca mais nos falamos. 

segunda-feira, 30 de julho de 2018

O que você disse eu não gravei

– Você não entende. Eu sinto falta de estar apaixonada. Eu sei que a paixão é doentia, insustentável, que precisa dar lugar ao amor pra relação florescer e se tornar duradoura. Mas, velho, pular a paixão também não dá. Como é possível iniciar algo sem aquele prelúdio de encantamento bestial, se é justamente isso que nos lança a querer a próxima fase? Como é possível ir direto à parte madura, a que exige mais de nossas concessões e renúncias, sem, antes, explorar a perda da noção de si próprio em nome do prazer que se torna o bem estar do outro? 

[...]

– Eu sei, eu estou toda errada. O amor, o amor bom, é a coisa morna. Tranquila e segura... Eu sinto falta de estar apaixonada, ok?! Sinto falta da sensação de mundo inteiro que dá. Do poder, dos hormônios de prazer inundando meu sistema nervoso da sensação de posso o que eu quiser. Eu sinto falta. Até da porra daquela ponta de insegurança eu sinto falta, acredita? Daquela pulguinha quase invisível e eventual atrás da orelha me perguntando se eu sou o bastante pra um amor tão incrível e arrebatador. Ridículo...

[...]

– A porra do sexo fica comprometido. Eu achei tão diferente. Diferente de quando eu fazia querendo laçar a pessoa pro resto da vida, sabe? Esse lance de estar em paz com seja lá o que vier te deixa tão sossegado de de repente a pessoa não querer ficar que até o sexo não te (me?) demanda mais a mesma dedicação. Acho que eu transava melhor quando inconscientemente acreditava que precisava dar tudo pra pessoa não querer ir embora...

[...] 

– Eu sei, eu sei. É ridículo. Estou manifestando falta de um modo indigno de vida que eu optei por consciência a abandonar. 

[...]

– Talvez não precise ser assim... Talvez só não seja a pessoa certa ainda! [...] Não existe pessoa certa, né? A pessoa certa sou eu, o resto do mundo é só um amontoado de tentativas de corresponder afinidades. Penso que posso sentir paixão e depois o amor. Penso que não há proibição. Até lá, eu vou manter meu coração batendo por mim. E quando eu me apaixonar, também.

con facilidad

yo me siento una persona simple con usted. yo me sinto revelada. yo no me siento como un rompecabezas frustrante que desalienta al jugador. yo no me siento una fuente de exigencias masacrantes y castradoras  que te obligan a fingir ser quien no eres. en su presencia, yo me siento vista y visible. usted simplemente es y hace lo que me suena agradable  sin la nulidad que es que te diga. yo no necesito buscar en el ego lo que hay de bueno en ser imprevisible. no. usted me hace sentir previsible y ya no necesito la adrenalina que hay en los desencuentros. porque usted me hace sentir simple. parece que usted conoce todo por aquí sin la necesidad de haber navegado las profundidades del mar agitado que otras tormentas me hicieron parecer ser.

entonces, ¿por qué no me parece ser todo?

segunda-feira, 16 de julho de 2018

Deésse


Foi estranho porque ela chegou do nada. O que não é bem verdade porque, pensando bem, ela sempre esteve ali.

Nós trocamos olhares e cumprimentos no período de alguns meses. E eu até cheguei à deselegância de precisar pedir alguma coisa. É mesmo...

Nada mais do que isso. Mas tudo bem. Mesmo. Ela não era ninguém importante. Até ser.

Não me pergunte especificamente quando e como ou sequer porquê ela apareceu. Quero dizer, quando ela se materializou para mim. Na verdade, o que eu quero dizer é: quando meus olhos passaram a vê-la.

Quando meus olhos perceberam sua existência deliciosamente intrigante. Como algo milagroso que sabe se retirar na hora certa e deixar aquele restinho de incêndio para queimar até a próxima aparição, sabe?

Bem. É como eu me sinto desde então. Desde que meus olhos passaram a vê-la. Desde que eu percebi que os olhos dela me veem. Eu nem sabia que minha autoestima, reles e mortal, estava capenga quando percebi que pensava que ela jamais veria a mim. Mas viu. E via. Há meses.

Ela não disse assim, na minha cara, pra eu ter certeza. Porque ela não é dessas mulheres que quer você tenha certeza sobre ela. Ela precisa daquela margem de erro, sabe, pra poder sair pela tangente como se nunca tivesse havido interesse. Ou simplesmente pra te dar a chance de exercitar a fé. Enfim. O que importa é que ela me deixou saber que ela me via. E talvez me visse antes mesmo de eu vê-la.

Embora ela tenha jeito dessas mulheres que vê bastante pessoas. O que posso dizer? Eu também gosto de ver pessoas.

Mas houve um certo deleite em ser vista por ela. Como há em tudo aquilo que acontece sem a gente cogitar antes o acontecer.   

Entenda: não é que antes eu pensasse nela como alguém que jamais pensaria em mim. Eu simplesmente não pensava.

Durante suas aparições, aquelas que mencionei mais cedo, reconheço que eu era até  um pouco apática. Porque não parecia ser algo no que eu devesse inutilmente gastar minha energia.

E talvez tenha sido esse o pulo do gato. 

Não. Eu não fingi desinteresse pra ela se interessar. Quantos anos você acha que eu tenho? E outra: ela não é esse bezerro de ouro rosa cravejado de diamantes negros que você insinua ao me indagar assim. Veja bem, ela, por definição, é a manifestação de pragas que eu pessoalmente não escolheria se estivesse folheando um menu no restaurante. Ela está mais para aquela torta doce que a confeiteira não vende em pedaços e que, por isso, eu não compraria inteira até ter um bom motivo.

O que eu realmente quero dizer é que foi natural. Ah, é isso que eu quero dizer. Foi natural. Simplesmente, num determinado momento nos encontramos. Mais do que estar no mesmo lugar, como já havíamos estado antes: nos encontramos.  

Talvez habitando o mesmo estado psicológico de interesse desinteressado (é como eu vejo meu interesse sobre as coisas e pessoas nos últimos meses. Eu quero, mas se não rolar, eu sei que não vou morrer, e de quebra mantenho espaço livre pra chegar coisa melhor).

Vivo bem assim e penso que ela também. Não sei se bem ou mal, mas quero dizer que me parece que ela viva assim também. Interesse desinteressado é como vou chamar.

Num dia ensolarado de inverno – sim, que belo prêmio – nós nos beijamos. Não houve nervosismo, não houve hesitação. Ela sabia que eu faria e algo de mim sabia que ela esperava por isso. Não exatamente como se ela me desejasse, mas mais como se pensasse que merecesse ser beijada. Mais como se pensasse que eu seria louca de não toma-la pra mim.

E eu não seria mesmo.

Você não seria capaz de mensurar a maciez da pele dela. Enquanto eu afastava seus cabelos e beijava suavemente sua nuca, seu pescoço, eu não podia pensar em nada disso porque seria loucura não estar cem por cento presente. Mas depois. Depois eu me acometi do grau de prazer material que o toque da pele dela na minha me dava. Quando nossos lábios se tocaram, foi uma espécie de centelha. E essa faísca incendiou o meu corpo.

Eu a desejei como se estivesse possuída por alguma entidade que em outros tempos foi terrena e bem sabia dos prazeres daqui. Eu a queria toda. Cada pedacinho dela. E por todo o tempo quanto fosse possível mantê-la neste plano.

A partir daí fazia toda diferença tê-la ou não. Não era como se coisa melhor pudesse se manifestar.

Eu deslizei minhas mãos delicadamente sobre ela, e não porque frágil ou por não querer senti-la vigorosamente. Mas porque divina. Divina demais para eu invadi-la com a minha humanidade. Eu quis mantê-la deusa tal como se manifestava para os meus olhos.

Para que eu pudesse continuar adorando a majestade do seu corpo como uma revelação sobrenatural me entregue apenas em delírio e jamais consumada em vida.

Por isso, eu acordei. E a deixei morar em meus sonhos.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Solamento + Amadurece e Apodrece



Eu posso ser muito idiota
Muito negativa
Muito imbecil
Eu posso ser muito otimista
Muito sorridente
Muito varonil

Eu posso ser a rainha do planeta
O príncipe encantado
A vilã da novela
Eu posso ter um monte de dinheiro
Viajar o mundo inteiro
Te chamar pra ir comigo

Mas nada disso vai fazer você me olhar
Mas nada disso vai fazer você se apaixonar por mim
Se o que eu tenho e o que eu sou não valem mais
Não acho justo a vida me ensinar
De um jeito tão cruel
Como se fosse só assim pra entender
Que você não é pra mim

Eu posso até te levar naquele show
Arrumar o meu cabelo
Te olhar daquele jeito
Eu posso ser quem eu nunca fui na vida
Ser aquela bem bonita
Que você viu na revista

Eu posso até te fazer aquela música
Te levar pra ver a tempestade no mar
Eu posso ver o que tem dentro de você
E te dizer o que existe em mim
E te amar de um jeito infinito

Mas nada disso vai fazer você me olhar
Mas nada disso vai fazer você se apaixonar por mim
Se o que eu tenho e o que eu sou não valem mais
Se do meu jeito não consegui te alcançar
Agora é aceitar, e me silenciar
E entender que eu não sou pra você

...


Eu aprendi
Muita coisa que eu desaprendi
Quando você resolveu me atravessar
E me colher do galho que me deixava
Suspensa no ar
No ar

Toda pureza morreu
Quando foi que você cresceu?
Por um tempo eu te perdi
Ou foi você que se escondeu?

Toda pureza morreu
Quando foi que você cresceu?
Por um tempo eu te perdi
Ou foi você que se escondeu no ar?

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Ich danke Ihnen

Quero começar dizendo quanto te agradeço. E, não, não pelas lições aprendidas na marra – mesmo porque aprendê-las é mérito exclusivo meu. Mas por todas as coisas pequenas e grandes que você fez, não necessariamente por mim, mas que me contemplaram, brilhando em vida. Eu te agradeço pelos cuidados, abraços, carinhos e afagos. Pelo amor quente e molhado. Incrível o bastante para me fazer acreditar que era real e verdadeiro. Agradeço pelo nada com que preenchemos tantas tardes, noites e manhãs. E, dessas últimas, agradeço com ternura os nossos cafés tão infinitos e cíclicos quanto o amor que desejei pra nós. Agradeço seus sorrisos, imensos e bonitos, dando razão aos meus dias e planos de vida. Sou grata pelas palavras, mesmo as despidas de verdade, porque me ajudaram a aceitar o que eu realmente quero da vida e agora posso seguir sabendo um pouco mais de mim. Agradeço pelos sonhos de comunhão plena de vida, pela ambição e pelo simples, pelo voar e pelas viagens cheias de fotos iguais. Mais do que tudo, ao seu lado, tudo parecia possível e ao alcance das mãos. Agradeço por quando sua confiança em mim foi o que me empurrou para frente. Eu te agradeço pelo sonho e pelo sono, profundo e extasiante, nos limites vagos do seu sofá depois do café. Eu sou grata por absolutamente cada pequena coisa que me ensinou no amor. Por desvendar em mim a boba apaixonada que inegavelmente nasci pra ser. Agradeço por acabar com as minhas dúvidas sobre querer ou não constituir uma família linda e amada e poderosa, o porto seguro dos fins dos dias. Agradeço pela nossa família. E por ter conquistado a minha. O sofá da minha vó, as viagens e todas as festas e churrascos de domingo. Deus sabe como isso sempre foi o meu sonho. Foi tudo importante e valioso. E absolutamente nada do que veio depois – na verdade, antes e durante, como sabemos – terá o condão de minar essa imensa caixa de presentes que você me deu. Eu não vou jogar nada fora. Agradeço pela oportunidade de tentar ser, na sua vida e para você, alguém com estes mesmos significados. Com sorte, parecidos. Tudo bem se não for. Deixo meu ego pra lá.


Ouvindo https://youtu.be/gD5qJlVbH94  

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Quarta à noite

Voltando pra casa vi um casal de rapazes. Sentados na calçada e de mãos dadas, cada um fumava seu cigarro, alternando entre os tragos um sorriso absolutamente abestalhado em direção ao outro. Me deu saudade da doçura e da paixão que despertam dos encontros marginais. Engraçado como o terreno mais fértil para germinar amor ainda é a mais repleta falta de condições para vivê-lo.