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segunda-feira, 16 de julho de 2018

Deésse


Foi estranho porque ela chegou do nada. O que não é bem verdade porque, pensando bem, ela sempre esteve ali.

Nós trocamos olhares e cumprimentos no período de alguns meses. E eu até cheguei à deselegância de precisar pedir alguma coisa. É mesmo...

Nada mais do que isso. Mas tudo bem. Mesmo. Ela não era ninguém importante. Até ser.

Não me pergunte especificamente quando e como ou sequer porquê ela apareceu. Quero dizer, quando ela se materializou para mim. Na verdade, o que eu quero dizer é: quando meus olhos passaram a vê-la.

Quando meus olhos perceberam sua existência deliciosamente intrigante. Como algo milagroso que sabe se retirar na hora certa e deixar aquele restinho de incêndio para queimar até a próxima aparição, sabe?

Bem. É como eu me sinto desde então. Desde que meus olhos passaram a vê-la. Desde que eu percebi que os olhos dela me veem. Eu nem sabia que minha autoestima, reles e mortal, estava capenga quando percebi que pensava que ela jamais veria a mim. Mas viu. E via. Há meses.

Ela não disse assim, na minha cara, pra eu ter certeza. Porque ela não é dessas mulheres que quer você tenha certeza sobre ela. Ela precisa daquela margem de erro, sabe, pra poder sair pela tangente como se nunca tivesse havido interesse. Ou simplesmente pra te dar a chance de exercitar a fé. Enfim. O que importa é que ela me deixou saber que ela me via. E talvez me visse antes mesmo de eu vê-la.

Embora ela tenha jeito dessas mulheres que vê bastante pessoas. O que posso dizer? Eu também gosto de ver pessoas.

Mas houve um certo deleite em ser vista por ela. Como há em tudo aquilo que acontece sem a gente cogitar antes o acontecer.   

Entenda: não é que antes eu pensasse nela como alguém que jamais pensaria em mim. Eu simplesmente não pensava.

Durante suas aparições, aquelas que mencionei mais cedo, reconheço que eu era até  um pouco apática. Porque não parecia ser algo no que eu devesse inutilmente gastar minha energia.

E talvez tenha sido esse o pulo do gato. 

Não. Eu não fingi desinteresse pra ela se interessar. Quantos anos você acha que eu tenho? E outra: ela não é esse bezerro de ouro rosa cravejado de diamantes negros que você insinua ao me indagar assim. Veja bem, ela, por definição, é a manifestação de pragas que eu pessoalmente não escolheria se estivesse folheando um menu no restaurante. Ela está mais para aquela torta doce que a confeiteira não vende em pedaços e que, por isso, eu não compraria inteira até ter um bom motivo.

O que eu realmente quero dizer é que foi natural. Ah, é isso que eu quero dizer. Foi natural. Simplesmente, num determinado momento nos encontramos. Mais do que estar no mesmo lugar, como já havíamos estado antes: nos encontramos.  

Talvez habitando o mesmo estado psicológico de interesse desinteressado (é como eu vejo meu interesse sobre as coisas e pessoas nos últimos meses. Eu quero, mas se não rolar, eu sei que não vou morrer, e de quebra mantenho espaço livre pra chegar coisa melhor).

Vivo bem assim e penso que ela também. Não sei se bem ou mal, mas quero dizer que me parece que ela viva assim também. Interesse desinteressado é como vou chamar.

Num dia ensolarado de inverno – sim, que belo prêmio – nós nos beijamos. Não houve nervosismo, não houve hesitação. Ela sabia que eu faria e algo de mim sabia que ela esperava por isso. Não exatamente como se ela me desejasse, mas mais como se pensasse que merecesse ser beijada. Mais como se pensasse que eu seria louca de não toma-la pra mim.

E eu não seria mesmo.

Você não seria capaz de mensurar a maciez da pele dela. Enquanto eu afastava seus cabelos e beijava suavemente sua nuca, seu pescoço, eu não podia pensar em nada disso porque seria loucura não estar cem por cento presente. Mas depois. Depois eu me acometi do grau de prazer material que o toque da pele dela na minha me dava. Quando nossos lábios se tocaram, foi uma espécie de centelha. E essa faísca incendiou o meu corpo.

Eu a desejei como se estivesse possuída por alguma entidade que em outros tempos foi terrena e bem sabia dos prazeres daqui. Eu a queria toda. Cada pedacinho dela. E por todo o tempo quanto fosse possível mantê-la neste plano.

A partir daí fazia toda diferença tê-la ou não. Não era como se coisa melhor pudesse se manifestar.

Eu deslizei minhas mãos delicadamente sobre ela, e não porque frágil ou por não querer senti-la vigorosamente. Mas porque divina. Divina demais para eu invadi-la com a minha humanidade. Eu quis mantê-la deusa tal como se manifestava para os meus olhos.

Para que eu pudesse continuar adorando a majestade do seu corpo como uma revelação sobrenatural me entregue apenas em delírio e jamais consumada em vida.

Por isso, eu acordei. E a deixei morar em meus sonhos.

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