– Oi, meu nome é Amanda. Eu tenho
vinte e dois. E sou uma flertadora compulsiva. Desde muito cedo eu sou assim.
Me apaixonei pelas palavras e depois não consegui parar de querer saber aonde
elas levam, o que elas trazem, quem afastam, quem atraem.
E tem uma coisa sobre as
palavras: os seres humanos estão, há esses séculos todos, tentando usá-las para
explicar o amor.
Acho um tanto quanto ousado e
ambicioso. E digo isso num tom bastante desacreditado. É, digo, sim.
Eu cresci ao som de músicas que
se propunham a cantar o amor. E eu ouvi grandes poetas dizerem que não era
possível explicar.
Camões veio avisar e Manfredini
replicou toda a contradição do amor. A revisão final suprimiu o derradeiro e de
arrebate verso que dizia algo sobre que coisa maluca incompreensível irracional
és o amor, Maria.
E eu vim até aqui ouvindo – porém
não escutando – os caras. Todas as vezes em que o nome do nocaute era o verbo
apaixonar, eu me debruçava sobre aquela chama e queimava o papel com as minhas
palavras destinadas a expressar o que era sentir aquilo vazando quente por entre meus poros. E
podia dar, meus senhores, detalhes esculpidos.
Amar tem sido um sentimento tão
concreto que eu pareci poder ver seus detalhes e traços. Como se nestas vezes
todas eu pudesse encarar sua face e completar as peças mais delicadas da figura
com o toque. De maneira que não restava sob o céu nada quanto ao meu amor que
eu não pudesse dizer e redizer. Explicar e fazer entender.
Perceba: a facilidade de
descrever uma foto. Estática imagem, cores seguras e fixas naquela eternidade
reprimida no espaço de um momento que passou.
E lá no fundo a vozinha dos
poetas clássicos me sussurrava que amor não padece de ter explicação.
Eventualmente, devo ter me
sentido foda.
E segui ignorando os parças.
Bem, meus senhores, eis que a poesia
virou conto. Acredito que virou, pelo menos, desde que apareceu essa princesa.
Apta a se destacar da mais
distinta nobreza que você puder localizar no espaço da história da humanidade.
Digo isso porque ela veio subverter tudo. Inaugurando uma dinastia própria.
Não me pergunte o que é o amor sob pena de ouvir uma resposta que muito
se parece com o silêncio.
Mas, veja bem, parece-se com. Não
o é.
Se puder localizar meus olhos ou
descobrir em que direção olham – por vezes para dentro, para alguma coisa dela
que do lado de dentro estou tentando guardar –, bem, se você puder fazer isso;
Se puder notar a descida do tom
da minha ligeiramente grave voz. Se puder ir conhecer os caminhos por onde
andam meus sonhos. Se puder se sentar sobre mim e penetrar a integridade do meu
ser e me desvendar como numa possessão, vai perceber que eu não sei do que se
trata a porra toda.
Talvez se, ao fazer tudo isso,
você não entender nada, acredito que vou pensar que você conseguiu ter
entendido.
Este amor como o dos poetas. Que se
explica muito mal. E que está vez atrás de vez tentando se re-explicar mais e
melhor.
Ela me tomou a convicção do poder
de usar o que? As palavras. O poder de usar as palavras para trazer ao mundo
tangível aquilo que não se vê, não se cheira. Tão somente se sente em lugares
que, fisiologicamente, nem existem pra sentir! Você faz alguma ideia de como
isso me pira?
Tomou-me a comodidade do amor pensado. Do amor entendido. Do amor domesticado que,
muito embora seja de saber seguir em chamas, não surpreende com a escolha dos
caminhos que incendeia.
Mas ela. Você veja se consegue
entender o que eu não sou ainda capaz de explicar. Ela, lá de longe, vai me
puxando contra si própria. Eu sei lá se não é se feitiço. Porque, de fato, com
meus cinco sentidos racionais não posso compreender como é que ela faz.
Como é que me fez(az) ignorar o que é
de se ver em nome do que é, apenas e tão somente, de se desejar. Desejo que
arrasta COMO SE inexistisse qualquer obstáculo. Mas como se existisse, ao
menos, uma força invisível, laçada em mim, ligada nela, que me arrasta lenta
gradativa e inexoravelmente em sua direção. Fazendo-me constantemente querer encostar.
Acredito que, se esse conto se
passasse na inquisição, seu destino era queimar, não no meu amor, mas numa
dessas enfadonhas fogueiras dos cinco sentidos por aí.
L i s t e n i n g
Monte Castelo - Legião Urbana
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