Vamos combinar uma coisa, apenas
para partirmos do mesmo ponto: viver não é fácil. Isso de ser grato e não viver
reclamando de barriga cheia. Isso de aprender a enxergar a miséria do outro
para poder respeitar sua existência e valorizar a própria. Isso de não se
abater pelas dificuldades. Isso de agradecer ter mãos e pés e todos os dedos.
Os olhos. Ouvidos que ouvem. Saca? Tudo isso que passa batido demais pra gente
dar o nome de motivo pra ser feliz. Tive uma sacada muito genial esses dias. (E
com isso quero dizer muito besta, muito óbvia). Ninguém tem tudo. O mundo é
relativamente justo, se você considerar as desproporções das coisas. A maior
parte das pessoas não apenas quer como precisa de mais dinheiro. E essa
dinâmica costuma pressupor que dinheiro, na verdade, é um pó mágico capaz de
resolver tudo. Todo mundo acha que preferia sofrer em Paris. Mas isso é uma
falácia. Quem já experimentou um dedinho do bom e velho sofrimento sabe que não
há transferência geográfica que apazigue essa pancada no peito que é o estar
triste. Mas. Enfim. Voltemos ao “ninguém tem tudo”. Ninguém tem. Pessoas ricas,
trilhardárias, continuam humanas e necessitadas de relações sociais que supram
suas inseguranças de criança em forma de gente grande. Continuam vulneráveis a
maus súbitos em forma de uma morte sem adeus. O número 1 da Forbes ainda
precisa ser feito feliz. Ainda precisa amar. E, pasme, que não seja feito feliz
e nem amado, iates e grifes não farão as vezes. Sim, tem razão. Deve haver quem
não ligue pra amor e felicidade humana. Estes certamente vão ter mais tempo
para procurar outras coisas. Mas, se suspeito bem, não encontrarão estas outras
coisas. Não todas! Bem, muitas pessoas não têm nada e é aqui que falha minha tese.
Mas, se voltarmos ao ponto inicial, pareço continuar no caminho certo: viver não é
fácil.